11.09.2010

Vende-se gente aqui

NOVOS ESCRAVOS

O tráfico usa pessoas como mercadoria e despoja as vítimas dos seus direitos, negando-lhes uma existência como seres humanos.

Os agressores não traficam seres humanos. Traficam objectos, cuja venda ou exploração gera lucros em seu benefício, não importando se são drogas, armas ou pessoas. Se dá lucro, tanto melhor, se são seres humanos, pior para eles. São apenas mercadoria transaccionável. Uma ou várias vezes. Podem passar por diversas mãos, vários donos, diferentes locais consoante as "necessidades do mercado".

Esta é uma das mais dramáticas características deste crime: a desumanização do outro, do seu semelhante, por parte dos traficantes. Estes não olham para as pessoas traficadas como seres iguais a eles. Ao retirar os documentos às vítimas para evitar que fujam, os traficantes negam-lhes uma existência enquanto cidadãos de plenos direitos e a protecção de que gozam enquanto tal. Mas mais do que a cidadania, não lhes é reconhecida a existência enquanto seres humanos, a capacidade de sentir e pensar, de ter sonhos, autonomia e dignidade, de manterem relações familiares e sociais. Por vezes, são mesmo ignoradas as suas necessidades fisiológicas ou médicas. Afinal, são apenas objectos.

As vítimas perdem autonomia e capacidade de decisão. Ao contrário de uma prostituta, que vende o corpo por sua livre vontade, ou de um trabalhador que, em situação precária, pode abandonar o emprego, uma vítima de tráfico não tem opções. Tem a sua vida e possivelmente a dos seus entes queridos ameaçadas, os movimentos controlados e muitas vezes encontra-se até aprisionada. Não pode decidir se fica ou se vai embora, não pode recusar o que a mandam fazer, por mais abjecto que lhe possa parecer.

O tráfico de seres humanos desumaniza as vítimas por não lhes ser admitida uma existência como indivíduos, mas desumaniza também traficantes e cúmplices, por não terem compaixão e respeito pelo seu semelhante, características igualmente fundamentais de um ser humano. Este crime é apenas mais uma expressão do lado negro de uma economia que procura o lucro máximo a custo mínimo, de um consumismo desenfreado que não pára para reflectir no seu próprio custo humano, uma sociedade de tal modo individualista que já não se revê no próximo.



Fonte: Expresso 5-11-2010

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